Foto: Kimmy Simões*
Estou, agora mesmo, sentada em
uma mesinha de madeira, ao lado de um pilão de moer grãos, no espaço mais
aconchegante que encontrei neste estabelecimento curioso que chamam de “café”.
É quarta-feira, meio de semana e já o segundo dia em que me recolho aqui,
acolhida por este cantinho, com o caderno de cultura do jornal do dia aberto
sobre a mesa. A capa apresenta os últimos lançamentos literários, os filmes em
cartaz no cinema, a estreia de uma peça sobre a vida de Clarice Lispector, com a
atriz Beth Goulart, entre títulos de crônicas e resenhas que preenchem as
páginas adiante. Nada muito sedutor, não fosse por esse cheiro vindo do balcão,
pelas pessoas passando lá fora, pelos murmurinhos do casal de idosos na mesa ao
lado. Não fosse pelo fim de tarde e pela sensação de “dolce far niente” que me
dá a essa hora. Não fosse pelo café.
Ah! O café... Cada um que adentra
nesse universo extraordinário, um refúgio do caos lá fora, dá partida em um
processo peculiar: a Hora do Café. Alguns são mais familiarizados com a coisa,
os veteranos. Geralmente senhoras esbeltas de cabelo curto grisalho, batom
avermelhado e óculos à la professora de francês, jovens adultos magricelas com
camisa de botão entreaberta e óculos à la Woody Allen ou, na maioria das vezes,
velhinhos solitários, calçando sandálias de dedo, com os óculos
estrategicamente posicionados na ponta do nariz, os olhinhos miúdos percorrendo
as páginas do jornal. E como para todo caso deve haver uma exceção (ou algumas
exceções), cá estou eu, assumidamente seduzida pelo Ritual do Café, aos 19
anos. Eu, que até sair do Ensino Médio franzia a testa quando me ofereciam
aquela bebida preta, amarga. Não que tenha sido há muito tempo, mas me pego,
vez ou outra, imaginando quando fui “iniciada”. Daí lembro das madrugadas em
claro, entre tratados políticos e ‘twittadas’, durante o primeiro ano de
faculdade. Das cochiladas nos ônibus no trajeto entre um curso e outro. Lembro
da falta de tempo, da falta de casa e de gente íntima por perto, enquanto durou
a obsessão de caloura por excelência acadêmica. Foi aí que descobri o café. Era o momento
perfeito: um dia corrido chegando ao fim, a noite trazendo a segunda parte da
jornada diária e, no meio, a promessa de
energias renovadas, a pausa de tudo que havia dentro de mim para dar espaço à
contemplação de tudo que continuava lá fora.
Bons frequentadores de “cafés” são, portanto,
ótimos observadores. Quando ali entramos nos tornamos artistas e, aproveitando
o ócio criativo, somos filósofos, escritores, sociólogos... Psicólogos (por que
não?!), já que passamos a identificar os “tipos” que por ali passam. Dos que
estão ali só pelos quitutes, aos apressadinhos que chegam de paletó – “Sai um
cafezinho rapidinho?”. Esses sentam no balcão – quando sentam –, soltam uma
piadinha sem graça e tomam o líquido sagrado de um gole só. Uma verdadeira
afronta, em minha opinião, aos demais ali presentes, verdadeiramente
interessados, suponho, em apreciar todo o processo. Quem quiser entrar para o
Clube, já sabe: vá sem pressa. Permita-se desfrutar desse tempo, seja
acompanhado de um amor, de amigos ou de um bom livro. Mas vá de coração aberto,
pronto para distrair-se e encantar-se com tudo ou com qualquer coisa. Quem sabe
a gente não se encontre, qualquer dia, em um café por aí. “Lá está! Mais um que
descobriu o café...”, eu estaria pensando, enquanto espiasse você decidir, com olhar contemplativo, entre Mocca e Cappuccino. *Kimmy é estudante de Rádio e Tv pela Ufpb e fotógrafa nas horas vagas. Obrigada por colaborar com a crônica de hoje :) |
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
Descobri o café
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
O cachorro
O
texto a seguir foi escrito em 27 de dezembro de 2009 nas páginas de um diário
pessoal. Decidi torná-lo público em homenagem ao cachorro do curta-metragem
“Menino do Cinco” (Brasil, 20 min., 2012, fic.), exibido nesta última terça-feira na abertura da
7ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul*.
Sábado.
26 de dezembro de 2009. Natal.
Conheci
alguém com olhos de mel. Tanto na cor, quanto na doçura.
Quando
decidi passear com Toy e levá-lo até a casa da minha avó materna, onde estavam
meus pais, não imaginava a surpresa que o destino me guardava. De onde teria
vindo aquele cãozinho cor de carvão que me seguiu até o portão? Solitário,
perdido, medroso, trêmulo e doce, extremamente doce. Tanto, que não se atrevia
a mendigar o que fosse, mesmo evidentemente faminto.
Perdido...
Talvez tivéssemos mais em comum do que eu poderia supor naquele instante.
Talvez eu tenha me apegado tanto a ele por sentir intimamente que aquilo que
transbordava de seus olhos melosos era, em essência, o mesmo que encharcava meu
coração. Talvez tenha sido esse o motivo pelo qual decidi escondê-lo em uma
caixa de papelão na mala do carro de meu pai para levá-lo à casa de minha avó
materna, onde eu estava hospedada. E de ter, mais tarde, discutido com todos
que queriam expulsá-lo dali. Que mais teria me feito percorrer aqueles becos
interioranos sob chuva forte, já tarde da noite, batendo às portas da
vizinhança com aquele cãozinho de olhos de mel em meu colo, na esperança de que
alguém fosse também seduzido por ele e decidisse adotá-lo?
Como
ele estava assustado! Àquela hora minhas
lágrimas já se misturavam às gotas de chuva e meu desespero maior era pensar
que ele tivesse um lar e alguém procurando por ele em algum lugar. Afinal, ele
estava tão bem cuidado... Que medo tive de estar fazendo mal àquela criaturinha
indefesa! Quando finalmente alguém abriu a porta e demostrou interesse em criá-lo,
estremeci. Não suportei a ideia de deixá-lo, como se eu o estivesse abandonando.
Depois, fora daquelas circunstâncias, percebi como eram egoístas minhas
expectativas. Mas já estava tão ligada a ele, e ele a mim, que me desesperava
imaginá-lo ali, na rua onde vivi minha infância, hoje há milhares de
quilômetros de onde moro.
Àquela
altura minhas boas intenções já tinham transformado nossa viagem em uma grande
confusão. Minha avó, cujo temperamento naturalmente implicante piorou com a
idade, se enfureceu ao ponto de me rogar pragas. Vovô, ao contrário, demonstrou
compaixão com seu ar de cansaço e olhos doces tais como os do cãozinho. Em
razão da fúria da esposa, compreendo que ele tenha preferido a imparcialidade e
agradeço por isso. Sucedeu que decidiram deixar Zorro (como o apelidara meu
cunhado) na casa da vizinha e me convenceram de que voltaríamos pela manhã para
buscá-lo. Talvez até o levássemos conosco a João Pessoa, como eu havia
proposto, para que ficasse sob os cuidados de meu amigo Arthur, apaixonado por
animais e pai de dois labradores apaixonantes.
Na
manhã seguinte, o céu de um azul peculiar a manhãs que seguem noites chuvosas
poderia ser prenúncio de um belo dia, não fosse aquela tensão suspensa no ar.
Não demorei a ir até a vizinha. Lá estava Zorro, a língua pendurada como se
sorrisse. Entre lambidos e latidos, senti o amor do reencontro. Dói lembrar que
prometi voltar logo. Dói pensar que não tive sequer a oportunidade de me
despedir antes de viajar. Não poderia supor, ao afastá-lo do portão para poder
sair, ser aquela a última vez em que nossos olhares se cruzariam.
Eu
o protegi e alimentei por um tempo curtíssimo e ele provavelmente não sentiria
minha falta mais tarde. Tão frágil que era, queria apenas proteção. Mal sabe
ele que aqueles olhos de mel ficariam gravados em mim. Soube depois que ele foi
levado por um fazendeiro. Meu pai até garantiu ter conversado com o homem e que
Zorro estaria em boas mãos. Lá ele seria feliz. Foi no que me forcei a
acreditar. Já aprendi que o tempo cura tais angústias, mas sei que a dúvida
sobre seu paradeiro me atormentará. Escrevo para concretizar minha esperança e
porque não quero esquecer aqueles olhos, nem o amor que eles doavam, sem pedir
nada em troca. Não quero esquecer a impressão que tive de ter perdido a
companhia não somente de um cãozinho carismático, mas de um ser de espírito
iluminado, capaz de oferecer o que a maioria de nós parece negligenciar no dia
a dia: amor. Simplesmente amor.
Ele
me deu esperança. Esperança. Ele a plantou em mim. E sinto que, enquanto eu
guardar a lembrança dele, ela permanecerá viva. Assim, quem sabe, eu possa
semeá-la despretensiosamente, como ele fez. Talvez outras pessoas possam
sentir, através de mim, o que eu senti ao enxergar além dos olhos de mel.
Certa
vez ouvi falar que os olhos são as janelas da alma. Zorro me trouxe essa convicção.
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
Toque no braço dela
Ilustração de Aline Beuttenmüller* |
Ele foi
devagarzinho. Começou pela ponta do dedo médio. Foi subindo. Seu dedo se
arrastando pelas mãos da moça, pelo antebraço. Desceu com o mesmo cuidado.
Talvez, não estivesse de olhos fechados, tão concentrada, ela tivesse sido
indiferente àquele toque. Ah! Mas lá estavam os dois: em um café diante do sol
que se punha atrás do rio. Lá estavam, como se não fosse meio de semana,
sentados em um banquinho de madeira, esperando o pedido chegar.
Acho importante
retroceder um pouco e descrever tal cena com maior riqueza nos detalhes, para
tentar fazer com que você compreenda porque um gesto tão comum, tão banal, foi
dignado a tamanha ênfase. Pois bem. Imagine uma cidade comum, litorânea,
pessoas comuns passeando, turistas com passinhos apressados, temendo perder a
entrada da canoa com o saxofonista que toca o Bolero de Ravel para acompanhar o
pôr-do-sol na praia do Jacaré já há tantos anos. O sax começou seus trabalhos,
o sol foi se despedindo, as pessoas se tranquilizando aos poucos, alguns flashs, sorrisos. Cenário comum naquela parte
da capital paraibana. E a tarde já ia com cara de noite quando eles passaram. Eu,
como bom observador, sentava no banco do outro lado da passarela com o jornal
aberto à minha frente, cobrindo parte do rosto. Estratégia antiga (e muito
eficaz) para velhos que aproveitam seus dias vendo os outros passarem. Pararam
diante de um café, desses forçadamente regionais, com forno de tapioca na
frente para atrair os turistas. Primeiro, ela chamou minha atenção ao correr
dali em direção a uma vitrola exposta na lojinha da esquina. Ele foi em
seguida, parecendo encantado pelo encanto que aquele objeto provocava nela. Não
sei o que se passou depois, minha audição não anda lá tão boa, mas retornaram
ao café, sentaram de frente ao balcão e eu já não conseguia desviar os olhos.
Disseram quase nada, sorriram para a moça de avental, esperaram qualquer coisa
que tivessem pedido.
Vi que o dedo começou sua jornada: de cima
para baixo, de baixo para cima. De uma maneira esquisita, aquilo me
hipnotizava. Ela: olhos fechados, boca semiaberta, cabelo desgrenhado. O queixo
dele em seu ombro, com os lábios como que querendo contar algo bonito. Pois que
não contasse nada! Bastava aquele gesto, pequenininho. O passeio que o dedo
fazia entre os pelos do braço dela. Era como poesia. Nunca poderei ter certeza,
mas senti que, por dentro, ela se ria com a leveza do toque, enquanto ele se
extasiava com o calor da pele dela.
De longe, eu
também ria. Ah! Que vontade que tive de atravessar essa distância que separa os
estranhos e certificar-me de que eles entendiam a grandeza daquele momento. Mas
como todos que passam, partiram. Vi os dois desaparecerem, a boca cheia com as
palavras que não disse. E essa sensação gostosa que o fim de tarde traz de que
é preciso pouco para ser feliz.
*Aline é ilustradora e é o talento por trás da marca de camisetas e acessórios 266 t-shirts. Muito obrigada por ter topado ilustrar a crônica de hoje :)
terça-feira, 6 de novembro de 2012
Primeiras impressões da Mostra Audiovisual do Festival Mundo 2012
Desde
o dia primeiro deste mês a VIII Edição do Festival Mundo vem trazendo inúmeras
atividades culturais na Usina Cultural Energisa. Como estou participando da
Imprensa Colaborativa , ontem tive a oportunidade de acompanhar o primeiro dia
da Mostra Audiovisual, que este ano apresenta “Experimentando Cao Guimarães”. Foi
a primeira vez que vi um filme dele, por isso sinto-me livre para discorrer
sobre “primeiras impressões”. Mas alerto: não há nada de simplista nele, e o
que vem a seguir é fruto de uma verdadeira imersão que só o cinema, quando os
elementos certos são explorados, é capaz de provocar.
Foto: site oficial de Cao Guimarães* |
“Solidão
é a gente demais”.
Disse-nos
Guimarães Rosa. E foi assim que Cao Guimarães decidiu começar a nos contar a
história do Sr. Dominguinhos, homem de 72 anos que vive isolado em uma caverna
nas Minas Gerais.
Em
“A Alma do Osso”, o cineasta e artista plástico nos provoca o tempo todo. Eu
poderia começar a explicar o porquê a partir da trilha sonora genialmente elaborada
para o filme pela dupla O Grivo. Uma alternância entre cordas, tambores, sopro
e ruídos da natureza mixados e milimetricamente calculados para expressarem-se
como ruídos. Tudo milimetricamente
calculado para perturbar o espectador. Ou talvez eu começasse pelos efeitos
visuais, pela brincadeira feita com a textura da imagem, pela alternância de
cores, pelo cenário ermo, bucólico, tão real e, ao mesmo tempo, quase mítico,
tal qual a figura do protagonista. Mas deixarei tais aspectos estéticos para os
especialistas. Que se arrisquem os técnicos, os mais treinados, pois os
aspectos estéticos no filme de Cao não me parecem fáceis de traduzir.
Como
comentou depois da sessão Mariah Benaglia, uma das responsáveis pelo Tintin
Mostra Mundo 2012, assistir a um filme dele é uma verdadeira imersão. Ele nos
faz entrar em uma realidade que nos parece distante, então nos descobrimos
enganados e aquela imagem primeira se desconstrói e se reinventa. Perturbador?
Sim. Mas não é isso que se espera de um filme de produção independente?
Qualquer outra coisa não é cinema experimental, é “Sessão da Tarde”. Cinema é mesmo
imersão. Cinema é inquietude. É essa sensação que dá quando se finda a película
e permanece a agonia, a vontade de desvendar os enigmas que a história que
acabamos de ver nos lançou.
Em
um filme que usa a palavra como último recurso, uma primeira expressão do
protagonista nos apresenta um homem que imita a natureza e que é, ao mesmo
tempo, por ela moldado. Um ermitão, uma figura distante, que faz um espectador
“civilizado” se questionar sobre a relação que tem com o mundo ao seu redor. “Que
diferencia esse homem de qualquer bicho com que convive?”, “Que lhe parece
importante ou banal?”, “Por que a exclusão?”, foram algumas das questões que me
invadiram a mente nos primeiros momentos.
Então
o personagem canta. Depois fala. Depois conta. E para isso tem público.
Sr.
Dominguinhos aparece agora como um ser sociável, contando a um bando de
crianças a história de um homem que enterrou uns ossos humanos que encontrou na
estrada e, por isso, salvou-se de um raio ao qual deveria sua morte. A história vai parecer confusa, mas quando ele
diz “Os ossos que ele enterrou não deixou ele morrer(...)” , a gente percebe do
que se trata a anedota. Aquele homem, antes tão distante, indecifrável, se
mostra preocupado em nos mostrar a importância do legado que deixamos em vida.
Aquela história era o seu legado para quem o escutava. Aquele era o seu legado
para quem o assistiria.
Ele
não é mais o homem isolado que nega o outro e a vida em sociedade. Ele enaltece
o dinheiro. Cumprimenta o Governo. Compara o Real ao Cruzeiro na tentativa de
descobrir quanto vale o dólar que tem escondido na “caverna” onde vive. Para que?
Para dizer àquele que segura a câmera que passe ali depois, quando ele já tiver
morrido, para pegar aquela nota e um canivete que ele guarda junto.
Sr.
Dominguinhos é um sobrevivente. Conta como aguentava os choques elétricos de
quando vivia internado. Aqui, eu já via sua vida sob uma ótica completamente
diferente da primeira impressão de exclusão. Eu o via como um homem livre. Não
como um solitário esperando a morte chegar, mas como um dissidente aproveitando
a vida que ainda tinha pela frente. No
começo, eu enxergava no silêncio dele a desesperança, o desapego, a
indiferença. E, aos poucos, essa imagem virou ao avesso e aquelas minhas
perguntas foram sendo respondidas (e reconstruídas).
Só
fiquei triste ao saber pela Mariah, durante o debate depois do filme, que Sr.
Dominguinhos morreu ano passado, alguns meses depois de ser removido para uma
instituição do governo a fim de receber tratamento. Que o deixassem onde
estava, ora! No lugarzinho que tinha
escolhido como refúgio, para despedir-se do mundo de longe. Pois haja coragem
em um homem para enfrentar a si mesmo de tal maneira! Já dizia Guimarães Rosa,
“solidão é a gente demais”...
No
mais, fica a dica para assistir hoje (terça-feira, 06) à exibição de
“Andarilho”, do mesmo diretor, às 20h na Sala Multimídia da Usina Cultural
Energisa. Depois da surpresa de ontem, não sei o que me espera, mas garanto que
valeu a pena ter experimentado Cao Guimarães.
Para
a programação completa do Festival Mundo 2012
*Conheça
um pouco mais sobre Cao Guimarães
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Para começar, o começo!
Quando o primeiro passo
é dado, resta-nos encontrar um tanto de coragem para seguir em frente.
Para um bebê, o primeiro passo significa tudo. Não que ele esteja
consciente da magnitude desse gesto, tão espontâneo nessa fase da vida. Mas não
será esse o primeiro grande ato de uma vida inteira? Mal sabe aquela
criaturinha que acaba de protagonizar o episódio mais importante de sua
existência: o prenúncio de um tropeço. Depois daqui, ele estará pronto para
enfrentar o que vier. O fim da amamentação, o primeiro dia no Jardim de
Infância, a imagem da mãe indo embora pelo corredor de flores artificiais,
enquanto ela faz força para segurar as lágrimas e evita olhar para trás. É o
tropeço a base de tudo. Sem ele, nunca teríamos chegado a lugar nenhum. Uma
criança se atreve a levantar sem saber como aquilo funciona. E tropeça. Se ri,
ou se chora, pouco importa. Ela não teve medo.
Certo, com o tempo, aprendemos que é saudável sentir um pouco de
medo. Ele pode nos poupar de enrascadas das quais, provavelmente, não
levaríamos só lembranças de tropeços. Mas e quando o medo paralisa? Quem nunca
se viu imóvel diante de um começo? Tudo na vida requer uma dose de coragem:
começar um blog, uma carta, destinar um e-mail. Começar a tocar um instrumento?
Um ato heroico! Você vai parecer ridículo, vai incomodar a vizinha, afastar
alguns amigos, mas terá que começar de algum lugar. Mesmo que seja do ruído.
Esse pode não ser o seu caso, mas estou certa de que há um caso aí ainda não resolvido. Então, na dúvida, faça como a criança: levante com um impulso firme e um
sorriso leve, como quem não tem nada a perder. De preferência, tenha por perto
quem possa segurar sua mão, caso o caminho seja íngreme e você titubeie. Se não
tiver essa sorte, ainda assim, não há porque temer o tropeço. Eu, por exemplo, não
tivesse finalmente decidido embarcar, não teria chegado a 331 caracteres. Não
teria chegado a você.
E ainda que nada disso tenha lhe acrescentado muita coisa, foi o
meu primeiro passo. E esse é só o começo.
Assinar:
Postagens (Atom)