Ilustração de Aline Beuttenmüller* |
Ele foi
devagarzinho. Começou pela ponta do dedo médio. Foi subindo. Seu dedo se
arrastando pelas mãos da moça, pelo antebraço. Desceu com o mesmo cuidado.
Talvez, não estivesse de olhos fechados, tão concentrada, ela tivesse sido
indiferente àquele toque. Ah! Mas lá estavam os dois: em um café diante do sol
que se punha atrás do rio. Lá estavam, como se não fosse meio de semana,
sentados em um banquinho de madeira, esperando o pedido chegar.
Acho importante
retroceder um pouco e descrever tal cena com maior riqueza nos detalhes, para
tentar fazer com que você compreenda porque um gesto tão comum, tão banal, foi
dignado a tamanha ênfase. Pois bem. Imagine uma cidade comum, litorânea,
pessoas comuns passeando, turistas com passinhos apressados, temendo perder a
entrada da canoa com o saxofonista que toca o Bolero de Ravel para acompanhar o
pôr-do-sol na praia do Jacaré já há tantos anos. O sax começou seus trabalhos,
o sol foi se despedindo, as pessoas se tranquilizando aos poucos, alguns flashs, sorrisos. Cenário comum naquela parte
da capital paraibana. E a tarde já ia com cara de noite quando eles passaram. Eu,
como bom observador, sentava no banco do outro lado da passarela com o jornal
aberto à minha frente, cobrindo parte do rosto. Estratégia antiga (e muito
eficaz) para velhos que aproveitam seus dias vendo os outros passarem. Pararam
diante de um café, desses forçadamente regionais, com forno de tapioca na
frente para atrair os turistas. Primeiro, ela chamou minha atenção ao correr
dali em direção a uma vitrola exposta na lojinha da esquina. Ele foi em
seguida, parecendo encantado pelo encanto que aquele objeto provocava nela. Não
sei o que se passou depois, minha audição não anda lá tão boa, mas retornaram
ao café, sentaram de frente ao balcão e eu já não conseguia desviar os olhos.
Disseram quase nada, sorriram para a moça de avental, esperaram qualquer coisa
que tivessem pedido.
Vi que o dedo começou sua jornada: de cima
para baixo, de baixo para cima. De uma maneira esquisita, aquilo me
hipnotizava. Ela: olhos fechados, boca semiaberta, cabelo desgrenhado. O queixo
dele em seu ombro, com os lábios como que querendo contar algo bonito. Pois que
não contasse nada! Bastava aquele gesto, pequenininho. O passeio que o dedo
fazia entre os pelos do braço dela. Era como poesia. Nunca poderei ter certeza,
mas senti que, por dentro, ela se ria com a leveza do toque, enquanto ele se
extasiava com o calor da pele dela.
De longe, eu
também ria. Ah! Que vontade que tive de atravessar essa distância que separa os
estranhos e certificar-me de que eles entendiam a grandeza daquele momento. Mas
como todos que passam, partiram. Vi os dois desaparecerem, a boca cheia com as
palavras que não disse. E essa sensação gostosa que o fim de tarde traz de que
é preciso pouco para ser feliz.
*Aline é ilustradora e é o talento por trás da marca de camisetas e acessórios 266 t-shirts. Muito obrigada por ter topado ilustrar a crônica de hoje :)
Carol, continua escrevendo que tá muito bom!! Tô adorando o seu blog! Amei a crônica, so sweet ^^ Beijo! ;*
ResponderExcluirLú, muito obrigada! Seu reconhecimento é um grande presente :) Beijo!
ResponderExcluir... Flor solitária, menina rara.
ResponderExcluirO sol está se indo, desce o muro e procura por algo interessante, sabe que vai achar, e não demora muito. Encontra aquela flor, que não é rara mas é solitária, perfeita para a ocasião, para a menina rara, mas não solitária. Tira do solo e a cheira, sobe o muro e entrega a flor à menina que está sentada no parapeito, observando. Entrega a flor. A flor se desmancha, levada pelo vento do fim de tarde, mas seu aroma fica, e se junta. Se junta o aroma da flor solitária à menina rara, um presente dele, e mais da natureza, porque a flor dá sua vida para enfeitar a menina, e dá com prazer, pois principalmente as flores entendem o que é belo.