sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Tantos sóis, tantos mundos...

Certa vez vi uma parede com a seguinte frase pintada: “cada persona es un mundo”. Sim, cada pessoa é um mundo. Não está nisso a beleza dos encontros? É porque somos diferentes que nos atraímos, é por isso que compartilhamos, e assim aprendemos o quanto podemos crescer juntos.

Se escolhêssemos de novo, com um olhar mais amoroso, a diferença poderia ser o nosso ponto de convergência, ao invés da razão para a nossa separação.

Você sabe o que acontece quando duas galáxias se encontram? Com suas dimensões exorbitantes, elas têm dentro de si milhões de estrelas, planetas, asteroides e - sabe-se lá quantas - civilizações. É uma bagagem bem grande... Mesmo assim, quando elas finalmente se aproximam depois de bilhões de anos de interação gravitacional mútua, as chances das estrelas das duas colidirem é muito remota, por causa da imensa distância que existe entre elas. Esse encontro não as destrói, mas faz uma reviravolta danada em cada uma delas. O Sol e consequentemente os outros corpos do Sistema Solar serão movidos para outra região da galáxia, provavelmente bem mais afastada do centro. Essa fusão pode demorar um bocado, certamente não sem algumas perdas, mas, no decorrer desse processo, as duas se transformarão em uma imensa galáxia elíptica, trilhões de vezes mais luminosa.

Isso nos ensina um tanto sobre nossas relações. Talvez só precisemos aprender a criar mais espaço dentro de nós mesmos, nos libertando de conceitos e de medos que se acumulam com o tempo, para nos permitirmos viver o que o outro vem nos ensinar. Claro que todo encontro nos revira por dentro, faz a gente se questionar, afinal, é um mundo completamente diferente orbitando ao nosso redor. Mas é preciso lembrar: só fora da nossa zona de conforto que a magia acontece. 


domingo, 12 de julho de 2015

O despertar para a natureza real



Acabo de terminar a leitura de um dos mais recentes livros escritos pela Monja Coen, da tradição zen-budista, intitulado A Sabedoria da Transformação. Nele, ela compartilha reflexões e experiências tidas ao longo de sua vida monástica, do seu contato com mestres, discípulos e leigos no mundo inteiro. É interessante observar como pessoas de diferentes tradições e a partir de diferentes influências, religiosas ou filosóficas, têm convergido em um sentido: o de ressaltar a importância e a urgência de transformarmos nossa relação com o nosso próprio ser, com os outros, com o ambiente e, portanto, com o planeta, na busca por vivermos uma Cultura de Paz e uma consciência ecológica profunda.

Entretanto, apesar de atualmente ser melhor percebida a nível global, essa tendência não é novidade. A Ecologia Profunda, expressão cunhada pelo filósofo norueguês Arne Naess na década de 70, revela a percepção prática de que o homem é parte inseparável, física, psicológica e espiritualmente, do ambiente em que vive. E é também reflexo de um sentimento de comunhão com a natureza, que surge de um processo tanto racional quanto místico. Em todos os tempos, houve seres despertos para essa realidade, os quais, tendo acessado essa sabedoria, transformaram completamente sua ação no mundo. São Francisco de Assis entre eles.

Abaixo, transcrevo uma das crônicas presentes no livro da Monja Coen, na qual ela nos mostra, com muita simplicidade, que essa percepção e as transformações que inevitavelmente decorrem dela estão sempre acessíveis a todos, em qualquer tempo e lugar.

Água é vida
“O som do riacho no vale,
a forma das montanhas
são a voz e o corpo de Tathagata”.

Esse é um dos poemas de Mestre Dôgen (1200 – 1253).
Tathagata é um dos epítetos, um dos nomes elogiosos dados a Buda. Significa aquele ou aquela que vem e que vai do assim como é.
O poema revela o óbvio: toda a grande natureza é a voz e o corpo de Buda. Buda é muito mais do que um ser humano que viveu na Índia há 2.600 anos. Buda é muito mais. É toda a vida da Terra e do Céu. Cada montanha. Por isso, não devemos esvaziar as montanhas de seus minérios. Não as podemos deixar como cascas vazias e perigosas. Não devem se tornar apenas formas ocas, como me alertaram, há muitos anos, que estava ocorrendo em Minas Gerais.
Sabemos usar os elementos da natureza em nosso proveito, retribuindo, refazendo, refletindo e sabendo quanto, quando e onde podemos utilizar esses recursos?
Nosso corpo comum, mais do que nossa casa comum, o planeta deve ser cuidado. O que acontece quando não escovamos os dentes e comemos muito doce, por exemplo? Haverá cáries, infecções, dores. O tratamento nem sempre é agradável. Mas, se não o fizermos, todo o nosso corpo poderá ser danificado. A Terra é nosso corpo. Não pode ser abusada.
No século XIII, o Monge Dôgen caminhava muito com seus discípulos. Era verão, as cigarras cantavam incessantemente. Transpirando e com sede, pararam à beira de um rio. Usando uma concha com cabo de madeira, ele pegou um pouco de água. Bebeu a seu contento e retornou a água que sobrou na concha ao rio, ensinando: “Não abusar dos elementos é a mente iluminada”. Até hoje, no mosteiro de Eiheiji, há um local sagrado com uma concha de madeira à beira de um pequenino trecho do riacho dentro das edificações, para lembrar a todos os ensinamentos do fundador: não abusem da água.
Quando eu era noviça, em Los Angeles, fiquei durante um ano morando com meu mestre, em sua casa. Curiosa, ao limpar sua mesa de trabalho, sempre procurava por algum livro novo ou algum texto, que professores e estudiosos do mundo todo enviavam. Um dia, encontrei sobre a mesa um trabalho (em inglês) de um grande amigo seu, o reitor da Universidade de Komazawa, em Tóquio. Essa universidade pertence à nossa ordem Sôto Shû, assim como a PUC, no Brasil, pertence à Igreja Católica. O título do papel ainda estava em japonês: Mizu wa Inochi. Traduzido para o inglês: “Água é vida”.
Não me recordo do texto, mas lembro que, depois de lê-lo, comecei a agir de forma diferente. Molhava a escova de dentes e fechava a torneira. Ao trocar a água dos vasos dos altares, cuidava para jogar a água usada no jardim e nunca deixar vazar água limpa. Houve um despertar.
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Educação é isso. Poder sensibilizar as pessoas para que seu comportamento mude. Até hoje agradeço a esse grande professor. O texto era de duas laudas e meia. Simples e profundo.


sexta-feira, 27 de março de 2015

Anicca e a beleza do buraco negro.



"Anicca (traduzido do páli, "impermanência". Lê-se /anit-txá/.) é um dos conceitos essenciais para a descrição do universo segundo o budismo (junto com dukkha - sofrimento - e anatta - não eu -, compõe as três marcas da existência). Diz respeito à constante mutação de todas as coisas que compõe o universo".

Tive bastante tempo para refletir sobre anicca em minha vida durante dez dias entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015. Dez dias em completo silêncio em um retiro de meditação Vipassana, em uma cidadezinha a 30 minutos de Brasília. Dez dias completamente isolada de tudo que me era familiar - porque em um momento como esse a gente percebe o quanto não é familiar para si mesmo. Um mergulho profundo nesse "eu" que você pensa que conhece. Mas eu não tenho a convicção se posso traduzir essa experiência em palavras...

Nos últimos cinco ou seis anos, aparentemente, me tornei mais sensível à mudança em minha vida. Talvez porque na maior parte desse período ela tenha implicado em um sofrimento tremendo. Sim, o sofrimento existe. É esta a primeira nobre verdade budista. E sim, há um caminho para libertar-se dele: quarta nobre verdade. Mas até realizá-lo, há sofrimento. Há de haver lapidação!

Mas esta não é uma história triste. 

Sim, há mudança. Sem parar, sem parar. Escolhas. A cada momento, escolhas. Escolhas que nos revelam. Quando a gente compreende que a vida existe por que há mudança, e que tudo, tudo acontece pela evolução, não existe mais arrependimento.

Agora eu vejo: há tanta beleza nesses momentos de incerteza, nessa fase que parece mais um buraco negro, em que a gente se vê diante de um universo de possibilidades, e ao mesmo tempo está - ou parece estar - sobre lugar nenhum. É a beleza da busca, da descoberta. Aqui, o caminho é a meta. E é a cada momento que a gente se descobre. A gente se descobre a gente à medida em que a gente se inventa. Ou, em um sentido mais profundo, à medida em que a gente desiste de querer se inventar. E passa a ser. 

Não me preocupo mais com planos para os próximos anos. Me ocupo com o que tenho agora. Tenho, sim, inclinações, mas aprendi - venho aprendendo - a estar a cada instante atenta, porque o próximo passo quem dita é o Coração. E o tempo do Coração é somente este momento.

Venho buscar compartilhar alguns dos caminhos que vêm se abrindo para mim nesse processo de autodescoberta, que começou como um súbito momento de iluminação (porque "no fundo do poço há uma mola"- e uma lanterna) e certamente durará para sempre. Até que o "sempre" não seja mais um mistério.

É essencial para mim compartilhar, reconhecendo no processo mais que erros ou acertos, mas a força da Vontade que me faz continuar, e as sutilezas do Caminho, mais que o vislumbre da Meta. Quem sabe há alguém por aí que se espelhe, se reconheça... E que nessa troca, a gente se fortaleça.

Namastê! _/\_



quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Essa gente é agente

Estes são Cláudia e Paulo. Eles são seres humanos. Sim, humanos no sentido integral, porque vivem buscando propósitos que sirvam ao crescimento e emancipação de outras pessoas. Eles vivem buscando inspirar, e talvez por isso mesmo sejam tão inspirados.

Cláudia é uma Natalense que formou-se em Direito "porque a vida quis assim", mas foi sempre no trabalho voluntário que encontrou realização. Depois de se firmar profissionalmente, ela decidiu se dedicar ao que lhe despertava verdadeira paixão, e começou a cursar Ciências Sociais na Ufpb. Ela trabalha, faz faculdade, cuida de um gatinho e faz mais um milhão de coisas, mas reservou um tempinho para nos doar em uma "Conversa Amistosa Sobre Saber Ouvir". Nós do PUA (Projeto Uepb em Ação) aprendemos muito com ela, principalmente sobre humildade  e compaixão.

O Paulo tem formação militar, serviu por muito tempo na Aeronáutica e, como sempre conta, aprendeu a "matar profissionalmente", até decidir se tornar professor, virar doutor, e descobrir que seu melhor lugar no mundo era onde pudesse estar junto da molecada vestido de palhaço. No curso de Relações Internacionais ele toca o PUA e se dedica aos estudos de Segurança Humana, Cultura de Paz, Mediação de Conflitos e temas afins, além de puxar todo mundo pra palhaçada no trabalho lindo que faz nas comunidades do Cristo-Rangel como Clown. O mais bonito é ver como ele é apaixonado pelo que faz e a maneira como contagia todo mundo ao redor. Ele é o cara que te olha nos olhos e pergunta "O que você sabe fazer?" e te ajuda a descobrir o que você tem de melhor para oferecer como ser humano, como um agente de paz em potencial, para em seguida dizer: "Vem! Tem gente querendo aprender com você!".

Um dia desses me perguntaram sobre algo que eu realmente gostasse de fazer e foi difícil responder. Mas conviver com gente assim me faz lembrar do que mais me apaixona na vida: compartilhar boas histórias. Histórias como a desses dois, que nos inspirem a nos tornarmos seres humanos de verdade, cada vez mais conscientes de que somos todos uma grande família.

Essa gente é agente, porque faz o que pode com o que tem, e assim descobre que pode sempre ir além! E é muito bom estar viva e poder presenciar tudo isso. Muito, muito obrigada!
 

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Amor de Vô

Às vezes eu preciso escrever como preciso respirar. É quando, não importa o que eu esteja fazendo, a minha mente se transforma em um papel em branco, onde as frases vão surgindo, acompanhando a narrativa que constrói meu pensamento.
Meus últimos dias têm sido assim: narrativas internas solitárias, de palavras cheias de sentimento que de vez em quando transbordam pelo olho esquerdo. Assim, quando menos espero. Com o carro parado no sinal vermelho ou com o olhar fixo na lousa da sala de aula.
Daqui a 7 dias completarei o ciclo de 21 anos de vida.
21 anos. Para mim, assim como para uma criança de 7 anos, isso é um bocado. Para o meu avô, que vive agora seus 87, pode ser quase nada. Mas eu não tenho certeza. Eu poderia perguntar: “Vô, tô completando 21 anos. O senhor não acha que isso é um bocado?”.  Talvez ele me respondesse alguma coisa engraçada, ou alguma coisa muito sábia. Talvez ele só risse de canto de boca, com o olhar profundo de quem entende muito. Sempre foi um homem de poucas palavras.


Será? Nunca tive boa memória. As lembranças que tenho dele são rasas, mais do que me contavam meus pais, mais das histórias que minha vó contava em dia de domingo, pra gente rir ou chorar. Quem terá sido meu avô? Por que eu sei tão pouco? Há esse hiato entre nossas gerações. Minha mãe lembra e fala sobre ele de um jeito que quase nunca reconheço. Cresci distante. Aprendi a enxergar o mundo sem aquelas histórias de domingo, sem os conselhos dos “antigos”. Visitas no Natal, às vezes no São João ou no Carnaval, cada vez mais escassas. A vida que chama. O dia a dia. As andanças.
Onde eu estava enquanto meu avô esquecia meu nome?
Lembro de suas costas largas, suas pernas altas, dos grandes olhos azuis que eu via lá de baixo, esticando o braço pra tentar alcançar. Lembro dele sereno, sentado na cadeira de balanço. E, da proximidade que tivemos, por mais que me esforce e esprema com força os olhos pra tentar recordar, lembro-me apenas de sentar em seu colo grande, de apertar sua corrente de ouro, com um grande F pendurado no peito, e pedir com inocência de criança que ele me deixasse aquilo de herança. “Quando o senhor for dormir, Vô... Diz que deixa pra mim, diz”, ao que ele gargalhava, junto de toda aquela gente grande que ainda não se preocupava com a hora de dormir.
Onde eu estava enquanto meu avô ficava tão pequenininho? Onde eu estava enquanto meu avô perdia a voz? O que se deu com o azul brilhante de seus olhos grandes?
É a vida que segue seu curso, sem esperar por ninguém. A impermanência que a gente observa em tudo, mas que é tão doloroso aceitar na gente. Enquanto escrevia, eu chorei. E sorri. Senti tristeza e senti também alegria. Enquanto escrevia, eu mudei. Quem quer que esteja lendo, também já não é mais o mesmo de quando começou pelas primeiras linhas. O broto que floresce, a flor que murcha, o dia que vira noite. Tudo muda. 
E o que a gente leva dessa vida é o amor que a gente dá. Não é assim que a gente se abre pro amor que pode chegar? Amor que faz valer cada segundo. Amor que transborda no carinho e no cuidado de minha mãe com seu pai, agora que é ele quem precisa dela. Amor na dedicação infinita de minhas tias. Amor de uma vida inteirinha, como o de minha avó. Amor que tudo cura, tudo perdoa, tudo revitaliza.

Amor. 
Que a gente aprenda a aceitar o que não se pode mudar.
Que a gente viva o presente, o único momento em que se pode verdadeiramente Amar.
Vovô, gratidão por seu Amor.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

(observar e absorver)

A vida está lá fora
Há vida nos muros,
Pelos caminhos

A vida está aqui dentro
Mas há vida em contato,
Tudo integrado

Contato ainda que mudo
Mas que se faça
Fazer ou(vir)

domingo, 14 de julho de 2013

De vegetariana a vegana: causas e causos.

“A comida sacia o corpo, mas só o alimento sacia o espírito”, disse Carla Ioost*, culinarista vegana que conheci em novembro do último ano. Cigana por natureza, Carla tem um pé na estrada, mas se encantou pelas terras e pela gente da Paraíba quando veio, em ocasião do Festival Mundo, ministrar um workshop sobre alimentação consciente. Desde então, armou sua barraca por aqui, encontrou seu canto – e por aqui tem espalhado seu canto cigano, cheio de amor e boas vibrações.

Ela é uma das figuras essenciais da nova fase que desabrochou – ou em que desabrochei – na minha vida. Nos conhecemos em uma época de mudanças para mim (época em que me tornei vegetariana), quando o universo se apresentava como se fosse tudo novo de novo, como para um recém-nascido, e quando eu descobri que não existe tempo, ainda que cada dia deva ser vivido como se fosse único.

Apesar da percepção que se revelou em mim e do tanto que aprendi com pessoas incríveis das quais me aproximei no período (Carla é só um dos nomes de uma lista imensa), nesse tempo até aqui me perdi diversas vezes pelo caminho, me afastei de pessoas essenciais e falhei em muitos de meus propósitos. Esta semana, ao folhear um livro, encontrei uma citação que me caiu como uma luva: “Perder uma ilusão torna você mais sábio que encontrar uma verdade”, de Ludwig Borne.

É libertador perceber que nada tem de ser perfeito, linear e que não é só humano ter altos e baixos, grandes revelações e grandes desilusões, mas é um mecanismo da própria natureza, que no final das contas faz que tudo seja como deve ser. Por isso, decidi deixar para lá as frustrações e começar (ou recomeçar) sem medo a trilhar o caminho para o que eu considero ser uma vida mais plena e mais coerente.

Você deve estar se perguntando onde entra a comida nessa história toda. Bem, eu posso lhe dizer que ela é causa e consequência de tudo. E nem se preocupe que não vou discursar sobre nosso instinto de sobrevivência e sobre como tudo que construímos e nos tornamos se deu a partir da nossa luta diária por alimento. Deixo essa parte para historiadores e antropólogos. Mas uma coisa é certa: a comida move o mundo e nós somos mero fruto do que nos alimenta.

Para não alongar mais a história, lá vai o meu ponto de partida na busca pelo equilíbrio – o qual compartilho com vocês por acreditar que, como parte elementar e essencial da vida, o ato de se alimentar deve, sim, ser encarado como um ato político e, portanto, devemos buscar fazê-lo da maneira mais consciente possível.


Meu primeiro dia como vegana. Mais informações sobre vegetarianismo, meus avanços e dificuldades nos próximos capítulos. :)