Acabo de terminar a leitura de um dos mais recentes
livros escritos pela Monja Coen, da tradição zen-budista, intitulado A
Sabedoria da Transformação. Nele, ela compartilha reflexões e experiências tidas
ao longo de sua vida monástica, do seu contato com mestres, discípulos e leigos
no mundo inteiro. É interessante observar como pessoas de diferentes tradições
e a partir de diferentes influências, religiosas ou filosóficas, têm convergido
em um sentido: o de ressaltar a importância e a urgência de transformarmos
nossa relação com o nosso próprio ser, com os outros, com o ambiente e,
portanto, com o planeta, na busca por vivermos uma Cultura de Paz e uma
consciência ecológica profunda.
Entretanto, apesar de atualmente ser melhor percebida
a nível global, essa tendência não é novidade. A Ecologia Profunda, expressão
cunhada pelo filósofo norueguês Arne
Naess na década de 70, revela a percepção prática de que o homem é parte
inseparável, física, psicológica e espiritualmente, do ambiente em que vive.
E é também reflexo de um sentimento de comunhão com a natureza, que surge de um processo tanto racional quanto místico. Em todos os tempos, houve seres despertos para
essa realidade, os quais, tendo acessado essa sabedoria, transformaram completamente
sua ação no mundo. São Francisco de Assis entre eles.
Abaixo, transcrevo uma
das crônicas presentes no livro da Monja Coen, na qual ela nos mostra, com
muita simplicidade, que essa percepção e as transformações que inevitavelmente decorrem
dela estão sempre acessíveis a todos, em qualquer tempo e lugar.
Água
é vida
“O som do riacho no vale,
a forma das montanhas
são a voz e o corpo de Tathagata”.
Esse é um dos poemas de Mestre Dôgen
(1200 – 1253).
Tathagata é um dos epítetos, um dos
nomes elogiosos dados a Buda. Significa aquele ou aquela que vem e que vai do
assim como é.
O poema revela o óbvio: toda a grande
natureza é a voz e o corpo de Buda. Buda é muito mais do que um ser humano que
viveu na Índia há 2.600 anos. Buda é muito mais. É toda a vida da Terra e do
Céu. Cada montanha. Por isso, não devemos esvaziar as montanhas de seus
minérios. Não as podemos deixar como cascas vazias e perigosas. Não devem se
tornar apenas formas ocas, como me alertaram, há muitos anos, que estava
ocorrendo em Minas Gerais.
Sabemos usar os elementos da natureza
em nosso proveito, retribuindo, refazendo, refletindo e sabendo quanto, quando
e onde podemos utilizar esses recursos?
Nosso corpo comum, mais do que nossa
casa comum, o planeta deve ser cuidado. O que acontece quando não escovamos os
dentes e comemos muito doce, por exemplo? Haverá cáries, infecções, dores. O
tratamento nem sempre é agradável. Mas, se não o fizermos, todo o nosso corpo
poderá ser danificado. A Terra é nosso corpo. Não pode ser abusada.
No século XIII, o Monge Dôgen
caminhava muito com seus discípulos. Era verão, as cigarras cantavam
incessantemente. Transpirando e com sede, pararam à beira de um rio. Usando uma
concha com cabo de madeira, ele pegou um pouco de água. Bebeu a seu contento e
retornou a água que sobrou na concha ao rio, ensinando: “Não abusar dos
elementos é a mente iluminada”. Até hoje, no mosteiro de Eiheiji, há um local
sagrado com uma concha de madeira à beira de um pequenino trecho do riacho
dentro das edificações, para lembrar a todos os ensinamentos do fundador: não
abusem da água.
Quando eu era noviça, em Los Angeles,
fiquei durante um ano morando com meu mestre, em sua casa. Curiosa, ao limpar
sua mesa de trabalho, sempre procurava por algum livro novo ou algum texto, que
professores e estudiosos do mundo todo enviavam. Um dia, encontrei sobre a mesa
um trabalho (em inglês) de um grande amigo seu, o reitor da Universidade de
Komazawa, em Tóquio. Essa universidade pertence à nossa ordem Sôto Shû, assim
como a PUC, no Brasil, pertence à Igreja Católica. O título do papel ainda
estava em japonês: Mizu wa Inochi.
Traduzido para o inglês: “Água é vida”.
Não me recordo do texto, mas lembro
que, depois de lê-lo, comecei a agir de forma diferente. Molhava a escova de
dentes e fechava a torneira. Ao trocar a água dos vasos dos altares, cuidava
para jogar a água usada no jardim e nunca deixar vazar água limpa. Houve um
despertar.
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Educação é
isso. Poder sensibilizar as pessoas para que seu comportamento mude. Até hoje
agradeço a esse grande professor. O texto era de duas laudas e meia. Simples e
profundo.