22:22
O relógio digital marca a hora certa na
torre enlatada.
O rapaz fardado desenlaça o tênis para
descansar os pés no chinelo enquanto espera a condução.
Na faixa de pedestres o cardume desliza, delirante, contra o tempo.
Eu sujo a mão com Bic para não deixar
escapar o pensamento.
No cinema vi luxo, graça, sucesso. Nas ruas
vejo cansaço.
Aquilo ali era um Lamborghini?
Definitivamente é um Lamborghini parado no sinal vermelho, com uma moça
elegante gargalhando no banco do passageiro. Também tem luxo, graça e sucesso na rua. Mas
aqueles faróis são como holofotes para o menino descalço fazendo malabares sob
o semáforo.
O menino sorri um sorriso frouxo, estende a
mão.
O motor da Lamborghini ronca.
Se eu pudesse faria um filme sobre o garoto
e seus malabares, com holofotes de verdade, com plateia que prestasse atenção.
Ou com semáforo e tudo, para que desse no tino de quem dirige Lamborghinis ou
gerações de Unos que esse menino existe e, como ele, milhões. Mas no cinema
também já tem meninos descalços no asfalto, com malabares, sem malabares, às
vezes carregando uma 762.
Enquanto isso menino e Lamborghini se
enfrentam no momento vermelho. Até que chegue o momento verde e um escape do
outro.
E da bruta realidade? Escapa quem?