quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Epifania


22:22

O relógio digital marca a hora certa na torre enlatada.

O rapaz fardado desenlaça o tênis para descansar os pés no chinelo enquanto espera a condução.

Na faixa de pedestres o cardume desliza, delirante, contra o tempo.

Eu sujo a mão com Bic para não deixar escapar o pensamento. 

No cinema vi luxo, graça, sucesso. Nas ruas vejo cansaço.

Aquilo ali era um Lamborghini? Definitivamente é um Lamborghini parado no sinal vermelho, com uma moça elegante gargalhando no banco do passageiro.  Também tem luxo, graça e sucesso na rua. Mas aqueles faróis são como holofotes para o menino descalço fazendo malabares sob o semáforo.

O menino sorri um sorriso frouxo, estende a mão.

O motor da Lamborghini ronca.

Se eu pudesse faria um filme sobre o garoto e seus malabares, com holofotes de verdade, com plateia que prestasse atenção. Ou com semáforo e tudo, para que desse no tino de quem dirige Lamborghinis ou gerações de Unos que esse menino existe e, como ele, milhões. Mas no cinema também já tem meninos descalços no asfalto, com malabares, sem malabares, às vezes carregando uma 762.

Enquanto isso menino e Lamborghini se enfrentam no momento vermelho. Até que chegue o momento verde e um escape do outro.

E da bruta realidade? Escapa quem?