Já se foram 23 fotos no perfil, 23 versões
diferentes de mim e, provavelmente, 23 fases diferentes da minha vida, desde
aquela com as flores do campo que me destes. Como muda um ser humano em alguns
meses! Por tanto que mudou, por tudo que não sou mais ou que acreditei que não
mais fosse, eu não esperava escrever de novo sobre ti. Tu, cuja lembrança já não
mais me assombrava. Tu, cuja aparição repentina, em caso de nos cruzarmos em
dia qualquer, acreditei que não mais me amedrontaria.
A mim vieste com tuas amarguras e eu, que
estivera sã, que me sentira então finalmente inteira, eu me vi em ti. Éramos,
um do outro, espelho.
Antes, há muito tempo, eu me perguntava por
que havia gente que escrevia sobre suas dores e publicava ao mundo para que
todos soubessem que ali jazia um coração. Com o tempo entendi que somos todos
espelhos. A dor que senti outro também sentia, a minha dor não era somente
minha. Não é reconfortante? Por isso mesmo se emocionam as “mulherzinhas”, em
efeito catártico, com as personagens de filmes de romance.
Por que falar através de personagens distantes
se somos todos personagens de nós mesmos? “A vida é uma ópera e uma grande ópera”, disse Machado de Assis, não por ele mesmo, mas através do tenor
italiano que falava a Bentinho em Dom Casmurro. Ontem, enquanto assistia a “QueroSer John Malkovich”, dirigido por Spike Jonze, me veio à mente a imagem de um
grande palco em que estamos todos, humanos-marionetes, dotados de certa razão e
guiados pelos instintos de nossa natureza. Marionetes, sim, como no filme,
porque vivemos à mercê de certos acasos aos quais somos alheios e, ainda que
sem um roteiro definitivo, protagonizamos nossa própria história.
Vês? Eu comecei a escrever achando que falaria
de nós dois, mas deparei-me ao fim do texto com as mesmas questões existenciais
de sempre. Quase que como Sofia (O Mundo de Sofia), encarando seu reflexo no
espelho, absorta em suas reflexões e desligando-se do mundo à sua volta, me
desliguei de ti. E nem sei mais o que eu queria dizer com tudo isso. Vai ver
não era nada importante. Talvez eu quisesse compartilhar aquelas palavras
bonitas que te escrevi um dia desses, mas elas não cabem mais, nem neste texto,
nem em mim.