quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

23 fotos no perfil




Já se foram 23 fotos no perfil, 23 versões diferentes de mim e, provavelmente, 23 fases diferentes da minha vida, desde aquela com as flores do campo que me destes. Como muda um ser humano em alguns meses! Por tanto que mudou, por tudo que não sou mais ou que acreditei que não mais fosse, eu não esperava escrever de novo sobre ti. Tu, cuja lembrança já não mais me assombrava. Tu, cuja aparição repentina, em caso de nos cruzarmos em dia qualquer, acreditei que não mais me amedrontaria.

A mim vieste com tuas amarguras e eu, que estivera sã, que me sentira então finalmente inteira, eu me vi em ti. Éramos, um do outro, espelho.

Antes, há muito tempo, eu me perguntava por que havia gente que escrevia sobre suas dores e publicava ao mundo para que todos soubessem que ali jazia um coração. Com o tempo entendi que somos todos espelhos. A dor que senti outro também sentia, a minha dor não era somente minha. Não é reconfortante? Por isso mesmo se emocionam as “mulherzinhas”, em efeito catártico, com as personagens de filmes de romance.
Por que falar através de personagens distantes se somos todos personagens de nós mesmos? “A vida é uma ópera e uma grande ópera”, disse Machado de Assis, não por ele mesmo, mas através do tenor italiano que falava a Bentinho em Dom Casmurro. Ontem, enquanto assistia a “QueroSer John Malkovich”, dirigido por Spike Jonze, me veio à mente a imagem de um grande palco em que estamos todos, humanos-marionetes, dotados de certa razão e guiados pelos instintos de nossa natureza. Marionetes, sim, como no filme, porque vivemos à mercê de certos acasos aos quais somos alheios e, ainda que sem um roteiro definitivo, protagonizamos nossa própria história.

Vês? Eu comecei a escrever achando que falaria de nós dois, mas deparei-me ao fim do texto com as mesmas questões existenciais de sempre. Quase que como Sofia (O Mundo de Sofia), encarando seu reflexo no espelho, absorta em suas reflexões e desligando-se do mundo à sua volta, me desliguei de ti. E nem sei mais o que eu queria dizer com tudo isso. Vai ver não era nada importante. Talvez eu quisesse compartilhar aquelas palavras bonitas que te escrevi um dia desses, mas elas não cabem mais, nem neste texto, nem em mim.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Simone de Beauvoir e eu

Quinta-feira. Dia escolhido aleatoriamente para a publicação de crônicas e contos no blog de uma estudante de jornalismo que reluta a adaptar-se ao mundo virtual. A jovem tem, guardados em uma caixa qualquer, diversos textos rabiscados, ao longo de sua vida, em bloquinhos, provas antigas, guardanapos de restaurantes e cafés e, não raro, nos cantos das páginas de livros escolares e textos acadêmicos. 

Ah! Como acha entediante transformar qualquer coisa em html (ou seja lá qual for a linguagem adequada para o virtual). Parece que vai-se embora boa parte de suas palavras quando elas saem do papel. Perdem o charme, a poesia. Antes não fossem lidas, ela pensa. Mas logo sente pena de quem fora ontem ao escrevê-las. Que pensaria dela, hoje, a criança que fora, se não compartilhasse com o mundo as palavras que brotaram do que tanto a sensibilizara à época? De solidão padeceriam o papel e o pensamento esquecidos. 

Decidida a não permitir que tal acontecesse, tornou à caixinha, separou uns papeis, mas frustrou-se. Nenhuma entre aquelas emoções transcritas traduzia seu atual estado de espírito. Não publicaria qualquer coisa que não a sensibilizasse, aqui, agora. Partiu então para o papel. Percorreu algumas linhas com o lápis. Quantas até aqui? Foi quando revelou-se, subitamente, o estado de seu espírito: sem querer falar, ele queria ouvir.

Largou o lápis, buscou o livro. Quem lhe falou foi Simone de Beauvoir. E elas compartilharam a tarde, as angústias, e discutiram a "Moral da Ambiguidade":

"Existir é fazer-se carência de ser, é lançar-se no mundo: pode-se considerar como sub-homens os que se ocupam em paralisar esse momento original; eles têm olhos e ouvidos, mas fazem-se desde a infância cegos e surdos, sem amor, sem desejo. Essa apatia demonstra um medo fundamental diante da existência, diante dos riscos e da tensão que ela implica; o sub-homem recusa essa paixão que é a sua condição de homem, o dilaceramento e o fracasso deste impulso em direção do ser que nunca alcança seu fim; mas com isso, é a existência mesmo que ele recusa".

A estudante alcançou a inspiração que lhe faltava. Simone, por sua vez, voltou à vida por um momento; ganhou nova oportunidade de se revelar. Viram-se felizes, uma em vida, outra na eternidade, pelo deleite dos encontros que a leitura proporciona.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Esperança

Foto crua, tirada por mim em meados de 2010.

Era um dia nublado. O céu era de um azul como do céu de dias mornos em cidade morna. Ele estava deitado na areia da praia, a mente em maré de ideias antigas.
(Tudo antigo, tudo antigo. Estou cansado. Cansado de tantos pensamentos já pensados. Tantas histórias repetidas, tantos rostos conhecidos entre os estranhos que passam... Ninguém que me acrescente algo, sequer uma piada engraçada ou qualquer coisa que não seja a despedida. E depois de fazer tantos amigos, a gente senta em frente ao mar e se dá conta da solidão, refletida pela imensidão das águas, como um espelho que nos escancara a verdade. Só. Sozinho. Finalmente – ou dolorosamente – só. Que restou de tantas conversas? A vida dá voltas, é o que dizem. E é preciso maestria para acompanhá-la em rodopios. Tantas voltas que se torna cada vez mais difícil manter-se de pé. E assim ela segue, como um redemoinho, engolindo os passarinhos cujas asas cansadas desistiram de voar. É cômico pensar em como tudo o que penso compreender hoje cabe na caixinha de madeira em meu criado-mudo. E há muito tempo não espio o que guardei lá dentro, a garantia ilusória de que alguma coisa eu compreendo...).
Então se fecharam os olhos que alternavam languidamente entre a visão das ondas e das nuvens. Ele finalmente adormeceu.
xxx

Sensação de frio. Algo gelado envolveu seus pés descalços. Algo inconstante. Só depois de alguns minutos abriu os olhos. Mesmo depois de perceber onde estava, permaneceu imóvel. Por quanto tempo dormira? Dez minutos, uma hora? Há muito tempo não acordava tão bem. Estranhamente, sentiu-se ainda melhor ao ver o braço esquerdo nu, ao sentir os bolsos vazios. Não precisaria mesmo do relógio, que o oprimiu por tanto tempo. Agora ele poderia sentir alguma paz. Realmente sentir aquele momento. Alheio ao tempo, mas completamente consciente de tudo ao seu redor. Consciente de si mesmo. Por um momento, nada tinha significado e, por isso mesmo, tudo fazia sentido. Já ia embora, quando seus olhos se detiveram em uma mancha vermelha na areia.  Hesitou por um instante antes de levar suas mãos até o que parecia ser uma rosa, pétalas aveludadas semienterradas.
(Isso não estava aqui antes).
Ele tinha certeza. Estivera deitado ali por tanto tempo antes de adormecer... Não havia ninguém por perto. Uma rosa simplesmente não brota da areia.
(Mas quem..? Não importa. Não será a primeira pergunta sem resposta. Nem a última).
Não pôde evitar espiar as curvas da praia vazia antes de caminhar até a escada mais próxima que levasse à civilização. No bolso, uma rosa vermelha.