segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Amor de Vô

Às vezes eu preciso escrever como preciso respirar. É quando, não importa o que eu esteja fazendo, a minha mente se transforma em um papel em branco, onde as frases vão surgindo, acompanhando a narrativa que constrói meu pensamento.
Meus últimos dias têm sido assim: narrativas internas solitárias, de palavras cheias de sentimento que de vez em quando transbordam pelo olho esquerdo. Assim, quando menos espero. Com o carro parado no sinal vermelho ou com o olhar fixo na lousa da sala de aula.
Daqui a 7 dias completarei o ciclo de 21 anos de vida.
21 anos. Para mim, assim como para uma criança de 7 anos, isso é um bocado. Para o meu avô, que vive agora seus 87, pode ser quase nada. Mas eu não tenho certeza. Eu poderia perguntar: “Vô, tô completando 21 anos. O senhor não acha que isso é um bocado?”.  Talvez ele me respondesse alguma coisa engraçada, ou alguma coisa muito sábia. Talvez ele só risse de canto de boca, com o olhar profundo de quem entende muito. Sempre foi um homem de poucas palavras.


Será? Nunca tive boa memória. As lembranças que tenho dele são rasas, mais do que me contavam meus pais, mais das histórias que minha vó contava em dia de domingo, pra gente rir ou chorar. Quem terá sido meu avô? Por que eu sei tão pouco? Há esse hiato entre nossas gerações. Minha mãe lembra e fala sobre ele de um jeito que quase nunca reconheço. Cresci distante. Aprendi a enxergar o mundo sem aquelas histórias de domingo, sem os conselhos dos “antigos”. Visitas no Natal, às vezes no São João ou no Carnaval, cada vez mais escassas. A vida que chama. O dia a dia. As andanças.
Onde eu estava enquanto meu avô esquecia meu nome?
Lembro de suas costas largas, suas pernas altas, dos grandes olhos azuis que eu via lá de baixo, esticando o braço pra tentar alcançar. Lembro dele sereno, sentado na cadeira de balanço. E, da proximidade que tivemos, por mais que me esforce e esprema com força os olhos pra tentar recordar, lembro-me apenas de sentar em seu colo grande, de apertar sua corrente de ouro, com um grande F pendurado no peito, e pedir com inocência de criança que ele me deixasse aquilo de herança. “Quando o senhor for dormir, Vô... Diz que deixa pra mim, diz”, ao que ele gargalhava, junto de toda aquela gente grande que ainda não se preocupava com a hora de dormir.
Onde eu estava enquanto meu avô ficava tão pequenininho? Onde eu estava enquanto meu avô perdia a voz? O que se deu com o azul brilhante de seus olhos grandes?
É a vida que segue seu curso, sem esperar por ninguém. A impermanência que a gente observa em tudo, mas que é tão doloroso aceitar na gente. Enquanto escrevia, eu chorei. E sorri. Senti tristeza e senti também alegria. Enquanto escrevia, eu mudei. Quem quer que esteja lendo, também já não é mais o mesmo de quando começou pelas primeiras linhas. O broto que floresce, a flor que murcha, o dia que vira noite. Tudo muda. 
E o que a gente leva dessa vida é o amor que a gente dá. Não é assim que a gente se abre pro amor que pode chegar? Amor que faz valer cada segundo. Amor que transborda no carinho e no cuidado de minha mãe com seu pai, agora que é ele quem precisa dela. Amor na dedicação infinita de minhas tias. Amor de uma vida inteirinha, como o de minha avó. Amor que tudo cura, tudo perdoa, tudo revitaliza.

Amor. 
Que a gente aprenda a aceitar o que não se pode mudar.
Que a gente viva o presente, o único momento em que se pode verdadeiramente Amar.
Vovô, gratidão por seu Amor.