terça-feira, 6 de novembro de 2012

Primeiras impressões da Mostra Audiovisual do Festival Mundo 2012


Desde o dia primeiro deste mês a VIII Edição do Festival Mundo vem trazendo inúmeras atividades culturais na Usina Cultural Energisa. Como estou participando da Imprensa Colaborativa , ontem tive a oportunidade de acompanhar o primeiro dia da Mostra Audiovisual, que este ano apresenta “Experimentando Cao Guimarães”. Foi a primeira vez que vi um filme dele, por isso sinto-me livre para discorrer sobre “primeiras impressões”. Mas alerto: não há nada de simplista nele, e o que vem a seguir é fruto de uma verdadeira imersão que só o cinema, quando os elementos certos são explorados, é capaz de provocar.

Foto: site oficial de Cao Guimarães*
“Solidão é a gente demais”.

Disse-nos Guimarães Rosa. E foi assim que Cao Guimarães decidiu começar a nos contar a história do Sr. Dominguinhos, homem de 72 anos que vive isolado em uma caverna nas Minas Gerais.

Em “A Alma do Osso”, o cineasta e artista plástico nos provoca o tempo todo. Eu poderia começar a explicar o porquê a partir da trilha sonora genialmente elaborada para o filme pela dupla O Grivo. Uma alternância entre cordas, tambores, sopro e ruídos da natureza mixados e milimetricamente calculados para expressarem-se como ruídos.  Tudo milimetricamente calculado para perturbar o espectador. Ou talvez eu começasse pelos efeitos visuais, pela brincadeira feita com a textura da imagem, pela alternância de cores, pelo cenário ermo, bucólico, tão real e, ao mesmo tempo, quase mítico, tal qual a figura do protagonista. Mas deixarei tais aspectos estéticos para os especialistas. Que se arrisquem os técnicos, os mais treinados, pois os aspectos estéticos no filme de Cao não me parecem fáceis de traduzir.

Como comentou depois da sessão Mariah Benaglia, uma das responsáveis pelo Tintin Mostra Mundo 2012, assistir a um filme dele é uma verdadeira imersão. Ele nos faz entrar em uma realidade que nos parece distante, então nos descobrimos enganados e aquela imagem primeira se desconstrói e se reinventa. Perturbador? Sim. Mas não é isso que se espera de um filme de produção independente? Qualquer outra coisa não é cinema experimental, é “Sessão da Tarde”. Cinema é mesmo imersão. Cinema é inquietude. É essa sensação que dá quando se finda a película e permanece a agonia, a vontade de desvendar os enigmas que a história que acabamos de ver nos lançou.

Em um filme que usa a palavra como último recurso, uma primeira expressão do protagonista nos apresenta um homem que imita a natureza e que é, ao mesmo tempo, por ela moldado. Um ermitão, uma figura distante, que faz um espectador “civilizado” se questionar sobre a relação que tem com o mundo ao seu redor. “Que diferencia esse homem de qualquer bicho com que convive?”, “Que lhe parece importante ou banal?”, “Por que a exclusão?”, foram algumas das questões que me invadiram a mente nos primeiros momentos. 

Então o personagem canta. Depois fala. Depois conta. E para isso tem público.

Sr. Dominguinhos aparece agora como um ser sociável, contando a um bando de crianças a história de um homem que enterrou uns ossos humanos que encontrou na estrada e, por isso, salvou-se de um raio ao qual deveria sua morte.  A história vai parecer confusa, mas quando ele diz “Os ossos que ele enterrou não deixou ele morrer(...)” , a gente percebe do que se trata a anedota. Aquele homem, antes tão distante, indecifrável, se mostra preocupado em nos mostrar a importância do legado que deixamos em vida. Aquela história era o seu legado para quem o escutava. Aquele era o seu legado para quem o assistiria.

Ele não é mais o homem isolado que nega o outro e a vida em sociedade. Ele enaltece o dinheiro. Cumprimenta o Governo. Compara o Real ao Cruzeiro na tentativa de descobrir quanto vale o dólar que tem escondido na “caverna” onde vive. Para que? Para dizer àquele que segura a câmera que passe ali depois, quando ele já tiver morrido, para pegar aquela nota e um canivete que ele guarda junto.

Sr. Dominguinhos é um sobrevivente. Conta como aguentava os choques elétricos de quando vivia internado. Aqui, eu já via sua vida sob uma ótica completamente diferente da primeira impressão de exclusão. Eu o via como um homem livre. Não como um solitário esperando a morte chegar, mas como um dissidente aproveitando a vida que ainda tinha pela frente.  No começo, eu enxergava no silêncio dele a desesperança, o desapego, a indiferença. E, aos poucos, essa imagem virou ao avesso e aquelas minhas perguntas foram sendo respondidas (e reconstruídas).

Só fiquei triste ao saber pela Mariah, durante o debate depois do filme, que Sr. Dominguinhos morreu ano passado, alguns meses depois de ser removido para uma instituição do governo a fim de receber tratamento. Que o deixassem onde estava, ora!  No lugarzinho que tinha escolhido como refúgio, para despedir-se do mundo de longe. Pois haja coragem em um homem para enfrentar a si mesmo de tal maneira! Já dizia Guimarães Rosa, “solidão é a gente demais”...

No mais, fica a dica para assistir hoje (terça-feira, 06) à exibição de “Andarilho”, do mesmo diretor, às 20h na Sala Multimídia da Usina Cultural Energisa. Depois da surpresa de ontem, não sei o que me espera, mas garanto que valeu a pena ter experimentado Cao Guimarães.

Para a programação completa do Festival Mundo 2012

*Conheça um pouco mais sobre Cao Guimarães

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