domingo, 12 de julho de 2015

O despertar para a natureza real



Acabo de terminar a leitura de um dos mais recentes livros escritos pela Monja Coen, da tradição zen-budista, intitulado A Sabedoria da Transformação. Nele, ela compartilha reflexões e experiências tidas ao longo de sua vida monástica, do seu contato com mestres, discípulos e leigos no mundo inteiro. É interessante observar como pessoas de diferentes tradições e a partir de diferentes influências, religiosas ou filosóficas, têm convergido em um sentido: o de ressaltar a importância e a urgência de transformarmos nossa relação com o nosso próprio ser, com os outros, com o ambiente e, portanto, com o planeta, na busca por vivermos uma Cultura de Paz e uma consciência ecológica profunda.

Entretanto, apesar de atualmente ser melhor percebida a nível global, essa tendência não é novidade. A Ecologia Profunda, expressão cunhada pelo filósofo norueguês Arne Naess na década de 70, revela a percepção prática de que o homem é parte inseparável, física, psicológica e espiritualmente, do ambiente em que vive. E é também reflexo de um sentimento de comunhão com a natureza, que surge de um processo tanto racional quanto místico. Em todos os tempos, houve seres despertos para essa realidade, os quais, tendo acessado essa sabedoria, transformaram completamente sua ação no mundo. São Francisco de Assis entre eles.

Abaixo, transcrevo uma das crônicas presentes no livro da Monja Coen, na qual ela nos mostra, com muita simplicidade, que essa percepção e as transformações que inevitavelmente decorrem dela estão sempre acessíveis a todos, em qualquer tempo e lugar.

Água é vida
“O som do riacho no vale,
a forma das montanhas
são a voz e o corpo de Tathagata”.

Esse é um dos poemas de Mestre Dôgen (1200 – 1253).
Tathagata é um dos epítetos, um dos nomes elogiosos dados a Buda. Significa aquele ou aquela que vem e que vai do assim como é.
O poema revela o óbvio: toda a grande natureza é a voz e o corpo de Buda. Buda é muito mais do que um ser humano que viveu na Índia há 2.600 anos. Buda é muito mais. É toda a vida da Terra e do Céu. Cada montanha. Por isso, não devemos esvaziar as montanhas de seus minérios. Não as podemos deixar como cascas vazias e perigosas. Não devem se tornar apenas formas ocas, como me alertaram, há muitos anos, que estava ocorrendo em Minas Gerais.
Sabemos usar os elementos da natureza em nosso proveito, retribuindo, refazendo, refletindo e sabendo quanto, quando e onde podemos utilizar esses recursos?
Nosso corpo comum, mais do que nossa casa comum, o planeta deve ser cuidado. O que acontece quando não escovamos os dentes e comemos muito doce, por exemplo? Haverá cáries, infecções, dores. O tratamento nem sempre é agradável. Mas, se não o fizermos, todo o nosso corpo poderá ser danificado. A Terra é nosso corpo. Não pode ser abusada.
No século XIII, o Monge Dôgen caminhava muito com seus discípulos. Era verão, as cigarras cantavam incessantemente. Transpirando e com sede, pararam à beira de um rio. Usando uma concha com cabo de madeira, ele pegou um pouco de água. Bebeu a seu contento e retornou a água que sobrou na concha ao rio, ensinando: “Não abusar dos elementos é a mente iluminada”. Até hoje, no mosteiro de Eiheiji, há um local sagrado com uma concha de madeira à beira de um pequenino trecho do riacho dentro das edificações, para lembrar a todos os ensinamentos do fundador: não abusem da água.
Quando eu era noviça, em Los Angeles, fiquei durante um ano morando com meu mestre, em sua casa. Curiosa, ao limpar sua mesa de trabalho, sempre procurava por algum livro novo ou algum texto, que professores e estudiosos do mundo todo enviavam. Um dia, encontrei sobre a mesa um trabalho (em inglês) de um grande amigo seu, o reitor da Universidade de Komazawa, em Tóquio. Essa universidade pertence à nossa ordem Sôto Shû, assim como a PUC, no Brasil, pertence à Igreja Católica. O título do papel ainda estava em japonês: Mizu wa Inochi. Traduzido para o inglês: “Água é vida”.
Não me recordo do texto, mas lembro que, depois de lê-lo, comecei a agir de forma diferente. Molhava a escova de dentes e fechava a torneira. Ao trocar a água dos vasos dos altares, cuidava para jogar a água usada no jardim e nunca deixar vazar água limpa. Houve um despertar.
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Educação é isso. Poder sensibilizar as pessoas para que seu comportamento mude. Até hoje agradeço a esse grande professor. O texto era de duas laudas e meia. Simples e profundo.


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